Ahimsa, por uma vida sem violência

Ahimsa, segundo a maioria dos estudiosos da língua sânscrita, significa não violência: a= não e himsa= violência ou dano. Alguns desses estudiosos sugerem que a etimologia correta da palavra possa ser han, que significa matar e outros defendem que a origem é him, que significa não ferir. Ahimsa é o primeiro da lista dos yamas. Patanjali sugere os yamas e niyamas (prescrições e proscrições éticas) para os praticantes de yoga como um processo de autopercepção e não tão somente como conduta para viver em sociedade. Não são regras para serem seguidas cegamente, isso não funciona no caminho do yoga. Se encararmos os yamas e niyamas apenas como regras, como uma ‘receita de bolo’ sem investigar como nós interagimos com elas, criamos um personagem que nós mesmos admiramos: um “yogue de aparência”.

Ahimsa nos ensina muito sobre o estado de yoga, que é uma experiência de ausência de conflitos na mente. Nesse sentido, observar ahimsa engloba evitar sermos violentos nas nossas ações, fala ou pensamento com qualquer ser senciente (inclui aqui os animais). Não ser violento – não causar danos ou mortes – envolve comportamento pacífico tanto no nível físico como no nível sutil.  Ao praticarmos qualquer ação violenta com nossas próprias mãos ou por meio de uma fala rude, agimos no nível físico. Já quando desejamos algum mal ao outro através dos pensamentos, agimos no nível sutil.  Esse último parece mais inofensivo, mas não menos perigoso. Se tal pensamento for alimentado poderá sair da esfera mental, chegando às vias de fato.  Sem falar que a energia de violência é nociva exclusivamente para quem a cultiva, sendo impossível extrair dessa energia algum tipo de felicidade.

Uma mente que não gera pensamentos maldosos é uma mente sem violência. Uma fala que não fere, que não perturba o outro é uma fala sem violência. Ações que não geram sofrimento a nenhum ser são ações sem violência. Porém, ahimsa deve incluir nós mesmos já que também somos seres vivos. Quantas vezes somos rudes com a gente mesmo? Quantas vezes nossos pensamentos nos punem, nos faz desacreditar em nós mesmos? Quantas vezes geramos danos ao nosso próprio corpo com alimentação equivocada e outras substâncias nocivas à nossa saúde?

Se formos capazes de matar, violentar ou causar algum dano a outro ser humano ou a nós mesmos em algum grau isso nos causará perturbação na consciência (a não ser claro se tivermos alguma psicopatologia grave). Porém, com algum nível de consciência, vamos sempre nos sentir estranhos com a situação em si. Podemos ficar pensando no assunto como um disco arranhado, nem que seja para tentar ‘justificar’ a nossa atitude; ou evitar pensar no assunto como uma estratégia de fuga da responsabilidade; ou ainda fazer o que o yoga propõe: refletir sobre o assunto. O discernimento traz luz à situação, ainda que isso possa gerar algum desconforto num primeiro momento. Esse desconforto pode produzir algum nível de sofrimento, o que é natural. Mas é exatamente nesse ponto que muitas vezes fugimos.

É justamente esse sofrimento da responsabilidade que queremos evitar, que o ego quer nos ‘proteger’ baseado no mesmo conceito de ahimsa, ‘não causar sofrimento em mim mesmo’.  E se evitamos essa dor, se fugimos, roubamos de nós mesmos a oportunidade de investigação. Mas esse sofrer inicial faz parte do processo porque não existe transformação sem transtornos.  Ter coragem de enxergar que, em alguma medida, fomos capazes de causar sofrimento no outro é louvável, ainda que isso nos deixe desconfortáveis. Esse desconforto se dissolve com a percepção correta, ela se dilui quando aceitamos as nossas limitações e nos colocamos no lugar do outro. Esse é a boa notícia. Mas se preferirmos jogar tudo por baixo do tapete para evitar a dor e o desconforto, em algum momento essa limpeza se fará necessária e será muito mais trabalhosa. O que o yoga propõe não é uma felicidade momentânea cerceada de prazeres fugazes; a aspiração do yogue é a felicidade plena, onde somos capazes de conviver com as vicissitudes da vida sem sofrimento. Tornar as nossas ações, fala e pensamentos alinhados à ahimsa, evitando danos aos outros e a nós mesmos, é o que mais nos aproxima do estado de yoga.

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