Asteya, sentindo-se amparado

Asteya é o conceito do sânscrito que significa ‘não roubar’. Isso não é algo novo, como acontece com todos os conceitos éticos propostos por Patanjali nos seus Yoga Sutras. Mas ainda assim temos muito que aprender sobre asteya. Os Yamas como já sabemos, são regras para o bem viver em sociedade e reflexão sobre a nossa postura em relação a cada uma dessas orientações. Nós fazemos parte da sociedade e, portanto, não roubar está intrinsecamente direcionado a nós também. Compreender e vivenciar o aspecto mais óbvio do tema não significa a realização de todas as suas nuances.

Somos exímios em roubar o tempo das pessoas e o nosso também. Falamos desnecessariamente em momentos não apropriados e nem nos damos conta. Roubamos ideias e discursos que admiramos e tudo se transforma em apenas narrativa sem experiência real.  Os ásanas (as posturas do yoga) por exemplo, são os nossos maiores mestres. Eles nos ensinam sobre limite, humildade, determinação, concentração, saúde, orgulho, preguiça física e mental, e principalmente o real propósito de praticá-los. Basta não roubar essa oportunidade de se observar enquanto se pratica.

As nossas atitudes dentro da sala de prática são o reflexo das nossas atitudes no dia a dia. Ás vezes preferimos explorar os ásanas externamente, valorizando o alinhamento perfeito e sua versão na íntegra a perceber a experiência que eles no levam. E na vida fora do tapete também não é diferente, roubamos de nós mesmos a oportunidade de autoconhecimento quando escolhemos o entretenimento ao desconforto de uma descoberta sobre nós mesmos. Fugimos das situações externas, pessoas ou assuntos desconcertantes e naturalmente não somos obrigados a conviver com o que nos prejudica emocionalmente. Num ambiente competitivo, de pessoas mal resolvidas com interesses de autogratificação e afins é válido esse afastamento. Vale aqui lançar luz à situação para discernir se esse não é um caso típico de enxergar no outro os nossos próprios defeitos.

Mas, quando a situação só diz respeito a nós mesmos, às nossas questões existenciais, ainda que desencadeada por situações de confronto com o outro, somos presenteados pela nossa consciência testemunha com uma abundância de percepções até então nunca experimentada.  É extremamente belo. É doloroso, é intenso, não é uma brincadeira infantil. Mas é profundo e transformador. É esse o ponto em que temos a opção de encarar ou fugir. É um encontro com você mesmo, você pode estar em qualquer lugar, qualquer situação, com a sua cabeça no travesseiro, cozinhando, sozinho em casa, mas o lugar desse encontro é onde ninguém tem o poder de chegar: no seu coração.

E se você se abrir a essa oportunidade, pare, perceba, evite falar, apenas deixe chegar o que for importante. Este é um momento valioso para que você simplesmente ouça, sem interferir. Essa experiência não acontece se você não tiver apto a ela. Evite adiar esse chamado que vem de você mesmo, da sua consciência que tem a habilidade de te oferecer esse momento. O ego pode querer se proteger, te proteger. E ele quer que você acredite que é essa a função dele. Você só tem a ganhar, portanto pare de brincar, fugir, se entreter com afazeres sem sentido ou prazeres temporários. Isso é yoga real acontecendo. Patanjali ao falar de asteya nos Yoga Sutras diz que quando asteya está firmemente estabelecido na mente do yogue, ratna (gemas, objetos preciosos) fluem, aproxima-se na sua direção. Muitos comentadores falam que essa realização tem a ver com ganhos materiais e o yogue jamais fica desamparado. Mas o grande ganho aqui é a oportunidade de se conhecer, de se encarar. É abrir os olhos para tudo aquilo que evitamos em nós ou não temos consciência. É o desnudar-se, profundamente.

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