Patrícia Lima
No dia a dia temos o hábito de ficarmos conectados aos pensamentos que surgem na mente de uma maneira tão natural que nem percebemos qual deles deslanchou primeiro. E nos pegamos de surpresa com aquela frase “por que estou pensando nisso mesmo?”. Às vezes nós mesmos os fabricamos, outras vezes eles surgem espontaneamente na forma de uma lembrança ou imaginação. E ainda tem aqueles recorrentes que não saem da mente e ficamos remoendo feito um cd arranhado que pode ter sua origem naquele trabalho que não saiu do jeito planejado, naquela conversa difícil com seu parceiro ou amigo que você não conseguiu falar tudo o que gostaria, e agora, no trânsito, vem à sua mente a fala perfeita, direta, com os melhores argumentos para você ‘ganhar’ a discussão. Assim damos vazão a uma conversa sem fim com a mente.
Mas onde começa o Eu e a Mente? A definição, a meu ver, mais plena da palavra mente (na visão do yoga) é consciência (em sânscrito: citta). E citta, a consciência é composta de três fatores: mente (manas), intelecto (buddhi)* e ego (ahamkara). Ahankara, o ego é aquele que é capaz de produzir, o nosso ‘eu’ fazedor, necessário para nossa existência. Buddhi é traduzido como inteligência, entendimento, razão, sendo assim é capaz de conferir sentido, discernimento às nossas ações e pensamentos. É dito que a alma só pode ser percebida por essa inteligência quando a mente se encontra em silêncio. Manas, a mente abarca as funções de expressar (a natureza humana), interagir, sentir, desejar, intuir, imaginar, dentre outros.
Com toda essa versatilidade, é natural que a mente esteja a maior parte do tempo trabalhando. E nós só pensamos no seu descanso quando ela mesma começa a nos incomodar com pensamentos demais, estresse, raciocínio lento, memória fraca, falta de concentração, baixo rendimento e falta de espaço para novos conteúdos. Nem durante o sono ela descansa. A mente e o cérebro são interligados, enquanto o segundo é um objeto físico e tem a sua localização no corpo, o primeiro é algo não físico sem localização específica. Costuma-se dizer que somos escravos da nossa mente, mas penso que também a mente é nossa escrava principalmente quando o Ego (ahamkara), que comanda a função da mente de interagir e produzir, é mais hábil que a função de ponderar (do intelecto, buddhi).
Por outro lado, se as funções de intuição, imaginação e sentimento não são estimuladas, a mente pode se tornar escrava de si própria, como um robô, estagnada, como um funcionário desiludido prestes a se aposentar e já não tem energia para lidar com o novo. O que fazemos para dar o descanso merecido a essa parte importante de nós? E o que fazer com tantos pensamentos? De onde eles surgem? Como dissolvê-los?
Para descansar a mente podemos simplesmente trocar de atividade, depois de uma semana intensa de trabalho sem tempo para atividade física, happy hour com os amigos ou pegar a bicicleta na garagem e dar uma volta para ‘esfriar a cabeça’. Tudo isso será relaxante e dará um descanso à mente. Mas se tivermos mais uma semana com a carga de trabalho apertada, todas as limitações ligadas a uma mente agitada e ansiosa vêm à tona novamente. O que há de mais efetivo é aprender a observar a mente e entender como ela funciona. Porque ela também tem os seus padrões. Aquele momento que você se pega com um pensamento ‘sem pé nem cabeça’ é um pequeno insight, e é bom não minimizar essa percepção, pois é o intelecto trazendo discernimento. E essa habilidade é totalmente aperfeiçoada, treinável.
Ao percebermos uma emoção intensa tomando conta da nossa mente, por exemplo, temos a oportunidade de agir proativamente e não reativamente, ou ainda, deixar passar. Se não percebemos, simplesmente somos envolvidos por ela, na maioria das vezes nos tornamos ela. Pense na última vez que você se deparou com a raiva, inveja ou desejo intenso. Como você lidou com elas? Quais foram as consequências da sua maneira de agir? As emoções podem gerar pensamentos que, por sua vez geram ações que poderemos ou não nos arrepender depois. O treino aqui é ensinar a nós mesmos a não nos identificarmos com os pensamentos e com as emoções que surgem deles. Mesmo as emoções ditas boas irão nos afligir, pois elas podem gerar apego, uma necessidade e vontade de revivê-la. E, se isso não for possível, vem a frustração. Enquanto somos favorecidos por qualquer forma de prazer, este deve ser vivenciado integralmente, sabendo que vai passar. Pois passa mesmo, é inevitável.
Mas como a mente pode aprender essa dissociação? Treinando. Experimente esse exercício de auto-observação, por exemplo, ao fazer o percurso de volta para casa depois do trabalho. No carro, no ônibus ou a pé você tem ótimas oportunidades para investigar detalhes tão simples, que costumamos fazer no modo automático. Dirigir é automático mesmo, mas você pode se sentir mais atento ao não interagir com aquele pensamento de ‘o que vou fazer para o jantar’. Simplesmente não responda a ele e veja a estrada a sua frente, o sinal que abriu, o fluxo dos carros. Caminhar também pode ser bem interessante. Temos a oportunidade de diminuir o ritmo dos passos, sentir a temperatura, ouvir a nossa própria respiração, ajustá-la com o ritmo do caminhar, observar o caminho que você faz todos os dias e com certeza verá tanta coisa que antes não tinha visto como uma loja nova no bairro, uma casa com arquitetura singular, árvores e etc., porque você passa por ali todos os dias num ritmo rápido e pensando na vida. Tão bom essas descobertas! Depois disso é chegada a hora de perceber também o seu mundo interno.
Manter o caminhar atento é a chave para estar no momento presente, pois nos ajuda a perceber o que esta acontecendo no agora. É aqui que nos damos conta do quanto a mente vagueia de um lado para o outro e você pode ao perceber, gentilmente, trazer ela de volta a cada passo, a cada respiração. Se, ao contrário, você começa a interagir com os pensamentos que surgem, estes irão gerar mais pensamentos que por sua vez geram mais pensamentos num círculo vicioso sem fim, e isso é mais trabalho para ela.
Então, se proponha a usar esse curto tempo para parar de dar função a ela, para ensiná-la a descansar. Você irá se surpreender com a efetividade de um exercício tão simples. Se você tem vontade de aprofundar nessa investigação, meditação, yoga são técnicas que poderão esclarecer muita coisa sobre você mesmo. Qualquer prática de yoga embasada nos ensinamentos do yogue Patanjali é meditação. Enquanto executo qualquer posição, é a mente que executa e ajusta de acordo com a capacidade do meu corpo, para que eu possa sentir a integração acontecer, percebendo a mim mesmo, sem nenhum orgulho envolvido. Assim, o processo de sentar, dedicar tempo para investigar os pensamentos, contemplar e relaxar a mente será muito mais efetivo.
Buddhi do sânscrito, inteligência, razão, derivada da raiz verbal budh (estar desperto ou consciente).