Satya significa verdade e faz parte do primeiro dos oito passos para se alcançar o estado de yoga. Mas é possível existir uma verdade na qual exista um detentor? E o que é verdade? Do latim, veritas, significa a verdade que pode ser demonstrada com precisão; do hebraico, emunah, verdade com origem na confiança, do grego é aleteia, a verdade descoberta, “o que não se esconde”, “aquilo que não passa”.
A verdade no yoga é fundamental para criar o alinhamento das nossas ações com os nossos pensamentos e com a nossa fala. Quando há essa harmonia, diminui o excesso de pensamentos e contradições na mente que podem nos causar ansiedade e às vezes muita frustração de não nos sentirmos “yogues” completamente.
Mas essa tão sonhada harmonia pode está encapsulada por visões distorcidas da realidade. Sabemos que há muito para ser harmonizado e não apenas nos sentirmos “politicamente corretos” é o que importa. Para o yoga os três conceitos de verdade vindos do latim, grego e hebraico são interdependentes. A investigação da verdade se dá através dos fatos, da precisão, sem deixar que nada seja obscuro. E a verdade surge da confiança e utilização plena dos métodos e discernimento do buscador.
Mas nossa mente limitada sempre tem dificuldades em perceber essa realidade em função dos obscurecimentos vindos dos diversos padrões emocionais existentes. Esse é o trabalho mais profundo que o yoga nos propõe: dissolver as nossas visões equivocadas sobre o outro, nós mesmos e nossas opiniões a cerca de tudo. Patanjali nos diz que quando conseguimos discernir entre o transitório e o permanente, a dor e o prazer, a própria essência e o que não é essencial, o que é puro e impuro, o conhecimento já se estabeleceu em nossa mente. Satya, nesse sentido é um exercício na direção da verdade que Patanjali propõe como ética para que o yoga aconteça. E o grande acontecimento do yoga é nos livrar do sofrimento. Mas dizer a verdade faz parte dos valores importantes que aprendemos quando crianças com os nossos pais. Para o yoga esses valores devem sempre ser resgatados diariamente.
Um yogue deve ser um ser humano ético, como qualquer outro e, dizer a verdade (sem causar sofrimento no outro – respeitando ahimsa, a não violência) também é uma conduta que nos ajuda a diminuir a confusão da mente. Uma pessoa que não mente, que evita falar desnessariamente, que tem uma fala tranquila, calma e gentil pode ter uma mente muito confusa, repleta de dúvidas e obscurecimentos. Por isso Patanjali vai além: dizer a verdade para o outro e para si mesmo. E o que é essa verdade tão hermética para uma mente limitada? É ir além da fala, é ser direcionado para essa busca espiritual. A busca pelo conhecimento de quem eu sou. E a busca dessa verdade é a proposta de sattva. Então, não haverá dissonância entre o que pensamos e o que falamos. Quando a verdade se estabelece na fala do yogue, a busca espiritual não é maculada pelo materialismo espiritual tão comum nos dias de hoje. Uma fala reta, uma fala pautada na verdade produz ações corretas.
O yogue é capaz de agir nessa busca de uma maneira verdadeira, impelido pelo desejo sincero de se conhecer, de querer ir ao mais profundo âmago do seu ser. Ainda que essa busca seja dolorosa, ainda que ele se depare com os seus mais assustadores ‘fantasmas’, ainda que o ego tome para si essa ‘busca’, se a verdade é firmemente estabelecida na fala e na mente do yogue, ele será capaz de perceber todas essas artimanhas, ele será capaz de enxergar os obstáculos apenas como oportunidade para ir além. As manipulações que nos atingem (e o contrário também é real) surgem da fala carregada de mentiras que gera mais e mais obscurecimentos e confusão mental.
Mas só a prática da fala verdadeira isenta de intenções de ganho para com o outro pode ser reveladora, inspiradora e transformadora para si mesmo e para o outro. A prática de yoga pautada por satva é yoga que Patanjali nos deixou como legado. Sem verdade é impossível qualquer tipo de realização no yoga. Praticar satva nos ásanas é ajustar a motivação por uma prática correta. Quantos de nós nos interessamos pelo yoga pelo o que vemos nas revistas, TV, ou algum folder encontrado por aí? O que vemos são os ásanas para ilustrar qualquer narrativa sobre o tema. Os praticantes devem verificar a motivação para praticar os ásanas diariamente.
Os ásanas são o terceiro aspecto do caminho do yoga, no qual tem apenas duas referências sobre ele no tratado de yoga que Patanjali compilou: o ásana deve ser estável e confortável. E isso não significa que é menos importante. Os ásanas também são parte do caminho. Isolados não fazem parte do yoga. Em sintonia com sattva, ele pode nos ensinar muito sobre nós mesmos. Essa investigação de satya enquanto praticar o ásana, da pele para o centro, nos leva a descobertas de padrões corporais e mentais que podemos dissolver, gerando espaço para que a energia flua plenamente deixando o caminho fértil para que a verdade de quem eu sou aflore.
O poder da verdade é ímpar, sem ela o yoga não acontece. A verdade é a espinha dorsal dos oito caminhos propostos por Patanjali, posto que é a busca última do yoga. Em sua definição de yoga ele diz que aquele que vê a sua mente sem nenhuma perturbação vive em sua própria natureza. E uma mente livre de perturbações, conectada com o Si mesmo, é uma mente carregada de verdade sobre quem eu sou. É uma mente iluminada.