Patrícia Lima
Yoga já não é mais uma atividade distante para a maioria das pessoas. Ainda que nem todos se identifiquem com essa técnica, ela já se tornou algo mais palatável ou no mínimo mais conhecida através da grande mídia seja ela televisão, cinema ou revista. Muita gente já ‘ouviu falar’ e o desejo de conhecer tornou-se latente. O fato é que quem ainda não experimentou a prática tem sempre um conceito sobre ela, seja correto, totalmente equivocado ou bem próximo do real. Mas também muitos praticantes não têm a menor ideia do seu objetivo real (por responsabilidade do professor) ou, se tem, não o valoriza.
Yoga talvez não seja para todo mundo, mas o seu objetivo último é o que todo mundo procura e não tem a menor ideia do que seja e nem de como conseguir: satisfação, conforto, plenitude, felicidade. Essas são palavras que estabelecem com exatidão e precisão o significado de yoga: uma mente estável que não se perturba por nada (yogascittavrttinirodhaha). E quando falamos de satisfação estamos falando do seu significado mais profundo que é contentamento, onde não precisamos de nada e também nada nos ojeriza. Isso é estar satisfeito.
O mesmo acontece com a palavra conforto que aqui nos remete a bem-estar, proteção. Não ao conforto de dirigir o carro mais ergonômico que existe ou dormir com a cabeça apoiada num travesseiro de pluma de ganso europeu, que custa quase um salário mínimo brasileiro. Todos nós sabemos que esses confortos ou satisfações momentâneas não nos fazem seres humanos realmente felizes. Mas também o yoga não nos propõe uma vida monástica com voto de pobreza, sem nenhum prazer. Yoga não nega o prazer. O que é necessário observar é o apego ao prazer. Ele nos escraviza e gera mais e mais desejo. Nesse sentido, é o apego que deve ser transcendido. E para transcendê-lo é necessário também transcender o desejo. Você pode dizer que é o desejo nos move na vida. Sim, ele nos move até na busca pela iluminação. Mas Patanjali vai além, ele propõe que o desejo se torne ação. Sem a ação regular o desejo por qualquer coisa material (ou não material) será apenas um sonho.
Mas não é só a ação que é fundamental para que o objeto do desejo se manifeste. Para o yoga a prática constante deve estar em sintonia com o desapego. Ora, prática e desapego parecem duas palavras que se direcionam em sentido contrário. Mas não, são complementares no mundo do yoga. A prática contínua associada ao desapego aos seus resultados nos torna seres mais conscientes do ambiente interno e externo. Aqui a meta continua presente na nossa atitude diária ao praticar, mas não nos torna seres isolados do meio em que vivemos, não nos torna seres capazes de qualquer coisa para alcançar a meta, como muitas vezes acontece no mundo corporativista. Claro, nos tornamos seres mais seletivos e em busca de autoconhecimento, pois o caminho do yoga é para dentro e não uma atitude para nos expor e para explorar. E a exploração do yoga vai muito além da autoexposição através de fotos e vídeos de ásanas (as posturas).
Os ásanas dentro do contexto da prática são uma experiência estética valiosa, nos preparando para os outros aspectos internos do yoga. E uma experiência estética é algo interno, profundo, apesar do ásana ser considerado por muitos comentadores do Yoga Sutras de Patanjali como uma das partes externas do yoga. E por isso os ásanas são utilizados para a divulgação e ilustração do yoga, muitas vezes num uso equivocado e restritivo. Infelizmente.
Quando conseguimos encontrar o equilíbrio entre a prática constante e ainda assim não nos apegamos aos resultados externos e internos que a prática nos proporciona, o caminho do yoga se abriu para nós.
Não estamos felizes por que a avidez e a aversão fazem parte da nossa vida. Constantemente estamos desejando ou detestando alguma coisa ou alguém. Nada está perfeito, vivemos insatisfeitos com nosso corpo, nosso trabalho, nossos relacionamentos. Queremos algo que não temos e ainda assim achamos que isso é a melhor coisa a se fazer: desejar algo diferente.
E o desejo nem sempre vem com a ação correta. Atacamos geralmente a consequência e não a raiz dos problemas. Não estamos felizes por que somos identificados com os nossos adjetivos, profissões, posses, emoções. Se nos tiram a nossa carreira bem sucedida, familiares e amigos o que sobra de nós? Quem eu sou afinal? Seremos nós capazes de nos desnudarmos de todas as nossas identidades passageiras e irmos ao mais profundo de nós mesmos? Não estamos felizes porque somos apegados à vida, temos o instinto de sobrevivência inerente aos seres, logo temos medo do que pode nos acontecer: perdermos o emprego, sermos assalto, adoecermos, encontrarmo-nos solitários e também morrermos. A única certeza que temos da vida é a impermanência das coisas, que nada é eterno, nós não somos eternos. E isso nos perturba. Patanjali disse que a única maneira de não sofrermos é saber quem somos nós, para além das nossas identidades materiais, além do que gostamos ou não. E é isso o que o yoga no ensina: não confundir o transitório com o permanente, ou seja, o Si mesmo (a alma que é eterna) com o corpo, que é perene, e toda a confusão vinda do corpo e da mente como prazer e dor, pureza e impureza, bem e mal. Esse discernimento, saber o que não somos vai nos aproximando do que realmente somos. É para isso que serve o yoga.